O que muda nas línguas? Por que e como elas mudam?
As estruturas sociais e suas histórias se relacionam de forma intrínseca às línguas com as quais se expressam. Por língua entende-se um sistema organizado de signos utilizado na comunicação entre falantes da mesma língua. De certa forma, esse sistema linguístico sofre interferência externa, ou seja, social, alterando-se para atender às necessidades comunicativas dos falantes. Porém, nem tudo na língua é mutável. O sistema linguístico é, portanto, autônomo e possui regras bem definidas que, entre outras coisas, regem o que pode ser mudado e o que não pode.
O que muda na língua? Visto que a mudança linguística não ocorre de forma desordenada nem aleatória, é possível mapear, através da análise comparativa de textos gerados ao longo da história, os pontos passíveis de mudança. Essa análise indica que mudanças podem ocorrer em qualquer nível da gramática. Por exemplo, a comparação feita por Fiorin (2002:147) entre dois textos produzidos em língua portuguesa, A Lei dos Almuxarifes de D. Afonso II, do século XIII, e Jornada dos Vassalos da Coroa de Portugal, Pe. Bartolomeu Gomes, do século XVII, indica mudanças fonológicas, sintáticas, semânticas, morfológicas e lexicais. É digno de nota que uma mudança num componente da gramática pode desencadear alterações em outros elementos dela. Por exemplo, uma mudança em um pronome de tratamento pode implicar em mudança no uso de um pronome possessivo.
Por que as línguas mudam? A mudança na língua escrita, em geral, ocorre em resultado de mudança prévia na língua falada. Assim, o que realmente nos interessa é a raiz das mudanças na língua falada. Para o sociolinguista norte americano William Labov, a heterogeneidade é a raiz de toda mudança linguística. Uma sociedade heterogênea pode gerar heterogeneidade na língua, e vice-versa.
Um exemplo disso é o caso dos pronomes pessoais no português do Brasil. O pronome tu, oriundo do latim, foi por algum tempo o único pronome de segunda pessoa do singular. Mudanças de natureza hierárquica (heterogeneidade social) desencadearam o surgimento de formas de tratamento que contemplassem as diferenças sociais, tais como Vossa Mercê e, depois, vosmecê. O uso desse último pronome tornou-se tão comum a ponto de dispensar a diferença hierárquica entre os falantes. Além disso, surgiram diversas formas reduzidas dando origem ao nosso você que hoje é utilizado semanticamente como segunda pessoa.
Como as línguas mudam? A maioria dos linguistas concorda que o processo de mudança linguística é gradual. O início da mudança pode ser provocado pelo contato entre duas línguas diferentes ou por fatores internos à língua e à comunidade em que é falada. Duas formas linguísticas coexistem durante um período, sendo chamadas de variantes. As variações podem gradualmente sobrepor-se a outras formas variantes ao ponto de, ao final do processo, haver apenas uma forma, completando-se assim um processo de mudança.
O processamento se dá por meio de mutações vocálicas, reanálise e extensão. Um caso de mutação vocálica foi a perda de distinções existentes no latim. Ao passo que o latim tinha 10 vogais, o português ficou com apenas sete. Quando determinado tipo de oração mantém sua manifestação superficial, mas passa a ter uma estrutura subjacente distinta, ocorre a reanálise. É o caso, por exemplo, de o guarda não queria deixar o menino entrar. Sentenças como essa são compatíveis com duas análises diferentes, uma em que o menino é o sujeito de entrar e outra em que o menino é o objeto de deixar. Um exemplo de extensão pode ser visto no fato de que a locução conjuntiva com que, antes usada apenas em conjunção com o verbo fazer, aos poucos começa a ser estendida a outros verbos causativos.
A difusão da mudança linguística ocorre segundo o padrão característico da chamada curva em "S", caracterizada por um início lento, seguido de um crescimento acentuado e rápido e, por fim, uma desaceleração. Fatores sociais como idade, classe social, sexo e prestígio exercem influência sobre a difusão, seja no sentido de impulsioná-la, ou de freá-la.
A língua influencia a sociedade e é por esta influenciada. Parece bastante pertinente, portanto, a advertência de Sapir (1929) para que os linguistas se "tornem mais conscientes do que sua ciência pode significar para a interpretação da conduta humana geral". A diversidade no uso de uma mesma língua é fato. A desconsideração desse fato, manifesta na restrição do escopo de pesquisa, a tornaria menos rica, menos benéfica e menos importante para a sociedade da qual é extraída.
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